
Cânhamo industrial: expansão do mercado e os aspectos jurídicos no Brasil
Descubra o potencial do cânhamo industrial no Brasil, os desafios jurídicos e as perspectivas de crescimento do mercado sustentável.
O cânhamo industrial, uma das variedades da planta Cannabis sativa, vem despertando crescente interesse no Brasil, tanto pelo seu potencial econômico quanto pelas aplicações sustentáveis em diversos setores. Diferente da cannabis medicinal ou recreativa, o cânhamo é cultivado com baixíssimo teor de THC (Tetrahidrocanabinol), o composto psicoativo da planta, e tem foco exclusivamente industrial e comercial, com usos que vão da construção civil à indústria têxtil e alimentícia.
Em diversos países, especialmente da Europa, Ásia e América do Norte, o cânhamo já é considerado uma matéria-prima estratégica. Entretanto, no Brasil, o tema ainda enfrenta barreiras legais e regulatórias, apesar de sinais de avanço.
Neste artigo, você vai entender como o mercado de cânhamo está se expandindo no mundo, qual é o cenário atual no Brasil e quais os desafios e oportunidades que envolvem os aspectos jurídicos da sua regulamentação.
O que é cânhamo industrial?
O cânhamo industrial é uma variedade da cannabis cultivada especificamente para fins industriais, com concentração de THC geralmente inferior a 0,3% — o que a diferencia das plantas utilizadas para fins medicinais ou recreativos. Ele é rico em fibras, proteínas e canabidiol (CBD), além de ser extremamente versátil.
O cultivo do cânhamo oferece diversos benefícios ambientais: suas raízes profundas recuperam o solo, ele cresce rapidamente sem necessidade de agrotóxicos, e pode ser utilizado integralmente — desde as fibras do caule até as sementes, folhas e flores.
As aplicações industriais do cânhamo incluem a produção de tecidos, papéis, cordas, bioplásticos, biocombustíveis, materiais de construção (como concreto de cânhamo ou “hempcrete”), suplementos nutricionais, cosméticos e até alimentos funcionais. A indústria automotiva também tem utilizado fibras de cânhamo em peças e acabamentos de carros por seu baixo peso e alta resistência.
O crescimento do mercado global de cânhamo
O mercado mundial de cânhamo industrial está em franca expansão. Estima-se que a indústria global de cânhamo tenha movimentado mais de US$ 5 bilhões em 2023, com projeções que apontam para um crescimento acelerado nos próximos anos. Países como Canadá, China, França, Alemanha, Estados Unidos e Austrália têm investido pesado na regulamentação e desenvolvimento da cadeia produtiva do cânhamo, criando políticas públicas e incentivos para sua produção.
O interesse por soluções sustentáveis, somado à demanda por alternativas às matérias-primas tradicionais, tem impulsionado ainda mais essa expansão. Além disso, a legalização da cannabis em diversas jurisdições tem contribuído para reduzir o estigma histórico em torno do cânhamo, permitindo que ele seja tratado como qualquer outra commodity agrícola.
Situação jurídica do cânhamo no Brasil
Apesar de todo o potencial econômico e ambiental, o cânhamo ainda não é legalmente regulamentado para cultivo no Brasil. A legislação vigente, especialmente a Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas), proíbe o cultivo de plantas da espécie Cannabis sativa em território nacional, salvo mediante autorização especial da ANVISA para fins científicos ou medicinais.
Esse impedimento legal inclui o cânhamo, mesmo com baixo teor de THC. Como não existe uma diferenciação jurídica clara entre cânhamo industrial e outras variedades de cannabis, o cultivo segue proibido, o que inviabiliza o desenvolvimento de uma cadeia produtiva nacional.
Contudo, há movimentações importantes no Congresso Nacional e nos tribunais brasileiros que indicam uma possível mudança de cenário. O Projeto de Lei nº 399/2015, por exemplo, propõe a legalização do cultivo de cannabis no Brasil para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais — incluindo o cânhamo. Esse projeto já foi aprovado em comissão especial da Câmara dos Deputados, mas ainda precisa passar por votação em plenário e tramitação no Senado.
Paralelamente, algumas decisões judiciais têm concedido autorizações específicas para cultivo de cannabis com fins medicinais, o que abre precedentes que podem futuramente ser estendidos ao cânhamo industrial, especialmente se houver regulamentação técnica clara, como a definição de limites de THC permitidos (0,2% ou 0,3%, como ocorre em outros países).
Obstáculos regulatórios e o debate jurídico
O maior entrave para o avanço do cânhamo no Brasil não está nos aspectos técnicos ou produtivos, mas sim na falta de regulamentação clara e no preconceito histórico associado à planta. O uso do termo “cannabis” ainda provoca resistência social e política, o que retarda a criação de políticas públicas e normas específicas para o setor.
Além disso, as agências reguladoras, como ANVISA e MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), ainda não têm atribuições claras sobre o cânhamo industrial, o que gera insegurança jurídica para empresas e produtores interessados.
A ausência de regulamentação impacta diretamente na atração de investimentos, já que investidores e empreendedores evitam operar em um ambiente de risco regulatório elevado. Ao mesmo tempo, o Brasil assiste ao crescimento de empresas internacionais interessadas em importar produtos de cânhamo para o mercado nacional, como têxteis, cosméticos e suplementos, o que revela uma demanda reprimida e em expansão.
Perspectivas para o cânhamo no Brasil
Apesar do cenário legal restritivo, o Brasil tem potencial para se tornar um dos maiores produtores de cânhamo do mundo, dada sua extensão territorial, clima favorável, solo fértil e mão de obra agrícola qualificada. Além disso, o mercado nacional começa a mostrar sinais de amadurecimento, com debates técnicos e jurídicos mais qualificados.
Com a aprovação de um marco regulatório específico, o cânhamo poderia gerar empregos, fomentar a bioeconomia, impulsionar a indústria verde e contribuir para práticas agrícolas regenerativas e sustentáveis. A criação de uma legislação específica para o cânhamo industrial — com diferenciação clara entre suas aplicações e o uso da cannabis psicoativa — é um passo essencial para destravar esse mercado.
Especialistas em direito, agronegócio, meio ambiente e inovação têm defendido a regulamentação do cânhamo como parte de uma política de desenvolvimento econômico sustentável. A expectativa é que, nos próximos anos, o Brasil avance nesse tema, principalmente sob pressão do mercado internacional, da comunidade científica e da sociedade civil organizada.
O cânhamo industrial representa uma grande oportunidade para o Brasil em termos econômicos, sociais e ambientais. Porém, enquanto não houver uma regulamentação específica que reconheça legalmente sua distinção em relação à cannabis com fins medicinais ou recreativos, o setor continuará limitado ao mercado externo e à importação de produtos acabados.
A expansão global do mercado de cânhamo e a evolução do debate jurídico e político no Brasil indicam que mudanças estão por vir. A criação de um marco legal claro, seguro e técnico é fundamental para que o país possa aproveitar esse recurso com responsabilidade e inovação, posicionando-se como um protagonista na bioeconomia do futuro.