
Como funciona a regulamentação da ANVISA sobre cannabis medicinal
Entenda como funciona a regulamentação da ANVISA sobre cannabis medicinal, quem pode prescrever e como ter acesso legal no Brasil.
Índice
- O que é cannabis medicinal?
- Regulamentação da ANVISA: panorama geral
- RDC Nº 327/2019 – Produtos à base de cannabis para uso medicinal
- RDC Nº 660/2022 – Importação excepcional de produtos à base de cannabis
O uso da cannabis medicinal tem ganhado destaque no Brasil nos últimos anos, especialmente após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estabelecer normas específicas para sua prescrição, importação, produção e comercialização. Embora ainda envolta em debate e limitações, a regulamentação brasileira tem evoluído para garantir o acesso seguro aos pacientes que necessitam da substância para fins terapêuticos.
Neste artigo, você vai entender como funciona a regulamentação da ANVISA sobre cannabis medicinal, quais são as regras atuais, como é feito o acesso legal e quais os desafios ainda existentes.
O que é cannabis medicinal?
Cannabis medicinal refere-se ao uso terapêutico de substâncias extraídas da planta Cannabis sativa, como:
- Canabidiol (CBD) – não psicoativo, com propriedades anticonvulsivantes, ansiolíticas, anti-inflamatórias e neuroprotetoras.
- Tetrahidrocanabinol (THC) – psicoativo, mas com potencial analgésico, relaxante muscular e estimulador de apetite.
Os produtos medicinais podem conter apenas CBD, apenas THC ou uma combinação de ambos em concentrações variadas.
Regulamentação da ANVISA: panorama geral
A ANVISA regula o uso da cannabis medicinal por meio de duas principais resoluções:
RDC Nº 327/2019 – Produtos à base de cannabis para uso medicinal
Essa resolução autoriza:
- Fabricação, importação e comercialização de produtos à base de cannabis nas farmácias brasileiras, com prescrição médica.
- Determina padrões de qualidade, rotulagem, concentração de THC, registro e boas práticas de fabricação.
- Estabelece que os produtos devem ser autorizados pela ANVISA, mas não são considerados medicamentos registrados, e sim produtos de controle especial.
RDC Nº 660/2022 – Importação excepcional de produtos à base de cannabis
Essa resolução permite:
- Pacientes realizarem a importação individual e direta de produtos de cannabis, com:
- Receita médica;
- Cadastro prévio junto à ANVISA (válido por 2 anos).
- A importação é permitida mesmo que o produto não esteja disponível no Brasil, desde que seja produzido por empresas autorizadas em seus países de origem.
Quem pode prescrever produtos de cannabis?
Qualquer médico com CRM ativo, de qualquer especialidade, pode prescrever produtos à base de cannabis, com base na autonomia médica e responsabilidade profissional.
Requisitos:
- Indicação terapêutica clara;
- Receita do tipo B ou A (de controle especial), dependendo da concentração de THC;
- Avaliação do risco/benefício para o paciente;
- Acompanhamento clínico.
Para quais doenças a cannabis pode ser indicada?
Não há uma lista oficial de doenças, mas os usos mais comuns aprovados por médicos incluem:
- Epilepsia refratária (especialmente em crianças)
- Dor crônica e fibromialgia
- Doença de Parkinson e Alzheimer
- Transtorno de ansiedade generalizada (TAG)
- Transtorno do espectro autista (TEA)
- Esclerose múltipla
- Câncer (controle de náuseas, dores, apetite)
A decisão de prescrição é caso a caso, baseada em evidências científicas e experiência clínica.
Como ter acesso legal à cannabis medicinal no Brasil?
1. Consulta com um médico prescritor
O paciente deve passar por avaliação médica e receber a receita.
2. Cadastro na ANVISA (se for importar)
Feito no portal gov.br, com envio da receita e documento pessoal. Após aprovação, o paciente pode importar o produto.
3. Aquisição em farmácias (quando disponível)
Se o produto estiver registrado na ANVISA e disponível no Brasil, pode ser comprado mediante receita em farmácias autorizadas.
Tipos de produtos permitidos
- Óleos e extratos em gota
- Cápsulas
- Sprays orais
- Produtos para uso tópico
A concentração de THC deve ser inferior a 0,2% para uso mais flexível. Acima disso, a ANVISA permite somente quando o paciente estiver em tratamento paliativo ou sem alternativas terapêuticas.
Diferença entre produtos de cannabis e medicamentos registrados
Atualmente, não há medicamentos de cannabis registrados pela ANVISA com tarja regular (como outros fármacos). O que existe são:
- Produtos autorizados sob regime especial (não registrados);
- Medicamentos importados com registro em outros países;
- Exceção: o Mevatyl® (Sativex), aprovado para esclerose múltipla, mas com uso limitado no Brasil.
Empresas autorizadas pela ANVISA
A ANVISA autoriza empresas nacionais e internacionais a fabricar, importar ou distribuir produtos de cannabis medicinal no Brasil, desde que:
- Sigam boas práticas de fabricação;
- Apresentem laudos técnicos;
- Garantam rastreabilidade da planta e do produto final.
Empresas precisam passar por inspeção, apresentar documentação e manter transparência nas informações.
Desafios e críticas à regulamentação atual
Apesar dos avanços, diversos especialistas e pacientes apontam barreiras ainda significativas:
Alto custo dos produtos
Os preços de óleos e extratos ainda são elevados, devido à dependência da importação e à ausência de produção em larga escala no Brasil.
Burocracia no acesso
O processo de cadastro e importação pode ser complexo para muitos pacientes e famílias.
Falta de incentivo à pesquisa
A pesquisa científica com cannabis ainda enfrenta entraves legais, prejudicando a produção nacional e a formação de médicos.
Estigma social e profissional
Muitos profissionais ainda têm resistência ao tema, o que limita a prescrição e o acesso.
Caminhos para o futuro
A expectativa de pacientes, médicos e ativistas é que a regulamentação evolua para:
- Aprovação de medicamentos nacionais registrados;
- Ampliação da produção nacional com cultivo autorizado;
- Menos burocracia e preços mais acessíveis;
- Maior capacitação de profissionais de saúde;
- Inclusão no SUS e em planos de saúde (em discussão judicial e legislativa).
A regulamentação da ANVISA sobre cannabis medicinal no Brasil representa um avanço importante, mas ainda limitado. A legislação atual permite o uso com prescrição médica e estabelece regras claras para produção, importação e venda. No entanto, desafios como o custo, o acesso restrito e a burocracia ainda precisam ser superados. O futuro da cannabis medicinal no país depende de decisões políticas, investimento em pesquisa e, sobretudo, do reconhecimento do direito dos pacientes a tratamentos eficazes e seguros.