
Epilepsia: o impacto da cannabis medicinal na redução das crises
Entenda como a cannabis medicinal ajuda no tratamento da epilepsia, reduzindo crises e melhorando a qualidade de vida de pacientes.
A epilepsia é uma das doenças neurológicas crônicas mais comuns no mundo, afetando cerca de 50 milhões de pessoas globalmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Caracteriza-se por descargas elétricas anormais no cérebro, que resultam em crises convulsivas recorrentes. Embora existam diversos medicamentos anticonvulsivantes disponíveis, uma parcela significativa dos pacientes apresenta resistência às terapias convencionais — um quadro conhecido como epilepsia refratária.
Nos últimos anos, a cannabis medicinal tem ganhado destaque como uma alternativa terapêutica promissora no controle das crises epilépticas, especialmente em casos refratários. O uso do canabidiol (CBD) — um dos principais compostos não psicoativos da planta Cannabis sativa — tem demonstrado resultados expressivos na redução da frequência e intensidade das convulsões, especialmente em crianças e adolescentes com síndromes raras e graves, como a síndrome de Dravet e a síndrome de Lennox-Gastaut.
O que dizem os estudos científicos
A utilização da cannabis medicinal no tratamento da epilepsia não é baseada apenas em relatos anedóticos. Diversas pesquisas científicas, conduzidas em instituições de renome internacional, têm investigado a eficácia e a segurança do canabidiol no manejo das crises epilépticas.
Um dos marcos mais importantes nessa área foi o estudo clínico que levou à aprovação do Epidiolex, medicamento à base de CBD isolado, pela FDA (agência reguladora dos EUA), em 2018. A pesquisa demonstrou que pacientes com síndromes epilépticas raras apresentaram uma redução significativa na frequência das crises quando tratados com o canabidiol, em comparação ao placebo. Em alguns casos, a redução ultrapassou 50%, com efeitos colaterais leves a moderados, como sonolência, diarreia e alterações no apetite.
No Brasil, instituições como a Universidade de São Paulo (USP) e o Hospital das Clínicas têm conduzido estudos similares, reforçando o potencial terapêutico da substância. A ANVISA já aprovou o uso de medicamentos à base de cannabis para epilepsia refratária, sob prescrição médica, tornando o país um dos pioneiros na América Latina nesse tipo de regulação.
Mecanismo de ação do canabidiol
Embora ainda existam lacunas na compreensão completa de como o CBD atua no cérebro, sabe-se que ele interage com o sistema endocanabinoide — um complexo sistema de sinalização presente em todo o corpo humano, envolvido na regulação de processos como dor, humor, sono e atividade neurológica.
No contexto da epilepsia, o canabidiol parece modular a excitabilidade dos neurônios, reduzindo a probabilidade de disparos anormais que desencadeiam as crises convulsivas. Além disso, o CBD possui propriedades anti-inflamatórias e neuroprotetoras, que podem contribuir para a melhora do quadro clínico ao longo do tempo.
Diferente do THC (tetrahidrocanabinol), o CBD não possui efeitos psicoativos, o que o torna uma opção mais segura, inclusive para o uso pediátrico, sob orientação médica e com controle rigoroso da dosagem.
A importância do acompanhamento médico
Apesar dos avanços, o uso da cannabis medicinal para epilepsia deve sempre ser realizado com orientação especializada. Cada paciente responde de forma diferente ao tratamento, e a dosagem ideal varia conforme o tipo de epilepsia, idade, peso, histórico clínico e interações com outros medicamentos.
Muitos pacientes ainda enfrentam desafios para obter a autorização da ANVISA para importar ou adquirir produtos à base de cannabis, além do custo elevado e da falta de padronização entre os fabricantes. Por isso, é fundamental contar com profissionais capacitados, como médicos prescritores e farmacêuticos especializados, que possam orientar sobre a escolha do produto, o acompanhamento clínico e os ajustes necessários.
Em alguns casos, o tratamento com cannabis medicinal não substitui completamente os anticonvulsivantes tradicionais, mas atua de forma complementar, potencializando os efeitos terapêuticos e permitindo, gradualmente, a redução das doses de medicamentos convencionais, que muitas vezes causam efeitos colaterais indesejados.
Relatos de famílias e transformações reais
Um dos principais motores da regulamentação da cannabis medicinal para epilepsia no Brasil foram os relatos comoventes de famílias que testemunharam a melhora significativa de seus filhos após o início do tratamento com canabidiol. Muitas dessas histórias viralizaram na mídia e ajudaram a sensibilizar a opinião pública e as autoridades de saúde.
Casos de crianças que sofriam dezenas ou até centenas de crises por semana e passaram a ter uma vida mais estável, com melhora na cognição, no sono e na qualidade de vida geral, reforçaram a importância de garantir acesso seguro e legal aos derivados da cannabis.
Essas experiências também evidenciaram a urgência de políticas públicas que incluam o fornecimento gratuito ou subsidiado desses medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), bem como o incentivo à produção nacional de cannabis medicinal, o que poderia reduzir os custos e ampliar o acesso.
A cannabis medicinal tem se mostrado uma alternativa terapêutica eficaz e segura para muitos pacientes com epilepsia refratária, oferecendo uma nova esperança especialmente para crianças com síndromes graves. O canabidiol, ao atuar diretamente no sistema nervoso, contribui para reduzir a frequência e a gravidade das crises convulsivas, promovendo melhor qualidade de vida.
Ainda que desafios regulatórios e financeiros persistam, o avanço das pesquisas, a regulamentação progressiva e o crescente apoio da comunidade médica têm consolidado o papel da cannabis medicinal como aliada no tratamento da epilepsia. É fundamental continuar investindo em ciência, educação médica e políticas de acesso para que mais pacientes possam se beneficiar desse recurso com segurança, eficácia e dignidade.